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A justiça não sou eu

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  Me foi dito que há nova maré para toda resistência Que contra todo mar bravio há de haver clemência Me foi dito que de todo augúrio brota a Justiça E o que ela é se não experiência? De nada sabemos Xangô encaminha Pesa a balança e ergue edifícios sobre treliças Mas Iemanjá aponta para o sonho Que é morrer sobre os seios dela Quando toda a justiça se encerra  No cheiro Na pele tenra Unindo minh’alma a alma dela Ossanha ofusca os caminhos Quando digo que dou E não dei A quero Quando digo que sou Mas não sei A justiça não sou eu Pela regra de Xangô Nem sempre há um novo amor para todo amor que morreu

Sonho de Princesa -

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  À esquerda "Os Comedores de Batatas" de Van Gogh, à direita "O Almoço dos Barqueiros de Pierre-Auguste Renoir  Marta nasceu para ser princesa. Mas a riqueza ou a fama não lhe faziam a cabeça, o que lhe aquecia e acelerava o peito era algo muito específico: eram os grandes salões, destinos pomposos, alta cultura, gente de alta classe, raras vestimentas, eram os ambientes cujas as regras estabelecidas exigiam que decorasse os mais nobres manuais de etiqueta e civilidade. A fama na Internet lhe parecia pouca e o dinheiro lhe parecia um atalho, ela queria mesmo o glamour, sonhava com o charme, com a disciplina dos códigos. Mesmo sem entender para o que nasceu... Mas, um dia Marta desconfiou de tudo. Marta pesquisou e descobriu que os manuais mudam conforme o tempo, conforme o contexto, conforme a geografia; a etiqueta e a nobreza não eram valores absolutos, ela descobriu que poderia inferir que cada povo, em cada época, possuia códigos próprios dos quais se depreendem os

O problema de todo o poeta

O problema de todo o poeta O nosso problema é o improviso Lidar com a incontingência do mundo não é um problema Lidar com as ondas da cultura não é um problema O problema do poeta está em outra esfera Os augúrios sobre o fim do mundo são insignificantes Porque todos os poetas, de uma forma ou de outra Compreendem a efemeridade da vida em cada instante O problema de todo o poeta está no acaso Está no desejo imprevisto e arbritário Mas sobre o qual ele sabe que tem muito a dizer Sobre o qual cala, mas que quer dizer Para isso existem os repentistas: "Num encontro de violeiros era sobre amor o repente cada uma estrofe diferente entre aplausos e berreiros e veja o que se deu de presente esse tal de amor é uma calçola rasgada bem no fundilho furada que esconde a fundura mas não oculta a beirada pois digo que o amor é cueca no fundo abrida na parte baixa desprevenida tentando por tudo esconder o que só pensa encontrar saída entonce arrepare o que digo que

As praias de Tolkien

  No dia de hoje, 03/01/2024, há quase 131 anos atrás, nascia o John Ronald Reuel Tolkien; um inglês que em nada viveu ou poderia inspirar uma vida de um pobre no Brasil da década de 1990. Mas que, não obstante, me abriu muitas janelas para a imaginação.   As praias de Tolkien –   No iminente ocaso da grande batalha de Minas Tirith, nos Campos de Palennor, seiscentos mil orcs cercavam vinte mil homens livres, e no topo, Gandalf: o Branco, aguardara a sua morte com o pequenino Merry, um hobbit perdido. Em meio a aflição pela chegada da derradeira hora, na qual apenas a vã valentia faria sentido, o pequenino questionou ao mago branco, incrédulo de que o seu fim, vindo do Condado, fosse ali, daquela forma. Gandalf, que não era apenas um velho mago, mas um sujeito pontual que era um quinhão de Deus, que viverá dezenas de gerações antes dos hobbits, que nascera no início do tempo, quando o mundo fora criado; disse: – Não, a jornada não acaba aqui. A morte é apenas um outro cam

Metropolis Parte 2: Cenas de uma Memória

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Obra. Essa é uma história de busca por compreensão. Não de busca por sentido, mas por fatos ocorridos e mal resolvidos. Peças que se encaixam mal de um tabuleiro adquirido inteiro.   Nicholas iniciou essa história em um consultório de Hipnoterapia. Buscando respostas para a sua ansiedade, se refugiando na promessa de que a regressão rumo as suas vidas passadas o traria paz – já que em pouco resultavam os remédios que tomava.   O hipnoterapeuta garantira a Nicholas que o procedimento era seguro, talvez intenso, longo, dramático, esfuziante, mas resoluto e esclarecedor; e que, se também fosse nauseante ou vertiginoso demais, bastava que abrisse os seus olhos para retornar à vida presente.   As incontáveis sessões de hipnose o levaram a assistir cenas de outra vida. Sempre via uma mulher chamada Victoria, num quarto datado e com o qual se sentiu profundamente familiarizado. Nicholas enxergou os Estados Unidos, dos idos de 1928 – duas gerações antes da sua, uma vida antes, talv

Mas, um dia a luz...

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Certa vez houve uma circunstância inusitada, tão incrivelmente absurda que nem mesmo ocorrera no tecido sobre o qual a nossa existência se desdobra - não ocorrera exatamente no Universo, mas em uma lacuna entre ele e o desconhecido. Neste não-lugar um bebê nascera do tronco de uma árvore! Era uma árvore imensa, que ocupava um imenso bloco rochoso que flutuava. E neste bloco no qual se encontrava, e que cabia numa pequena fissura no tecido da nossa existência, um bebê chorava à imensa sombra daquela árvore incomum.   Esta história começa quando uma cápsula não muito maior do que um carro atravessou a tal fissura como um raio. E ao chocar-se contra a rocha, que flutuava num recôndito não-lugar além de qualquer tempo conhecido, tudo foi tomado por destroços que flutuavam como em um globo de neve iluminado pela explosão da sua chegada. E em meio a todo o caos lá permanecia o bebê intacto e chorando. Daquela cápsula surgiu alguém que veio daqui, da nossa realidade, de quando ela jazia m

Revolução Francesa: A Pedra no Sapato de Nietzsche

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A Revolução Francesa ocupou grande parte das obras da maioria dos pensadores dos séculos XVIII e XIX. Nietzsche (1844 – 1900) preferiu praticamente ignorá-la, quase sempre rebaixando-a como acaso infeliz, puro ressentimento de classes inferiores, “inveja burguesa da noblesse , ou seja, de esprit e élégance , como expressão de uma sociedade cortesã, cavalheiresca, antiga, segura de si.”. Até mesmo na música alemã, Nietzsche via os ecos da inveja e ressentimento impregnados em toda Europa após a Revolução: “(...) Considere-se, por fim, se o desprezo da melodia e enfraquecimento do sentido melódico, hoje cada vez maior entre os alemães, não pode ser entendido como grosseria democrática e efeito posterior da Revolução. Pois a melodia tem um tão claro deleite com as regras e uma tal aversão a tudo o que se acha em evolução, que é informe e arbitrário, que soa como algo da velha ordem das coisas européias e uma atração e regressão para esta .” (A Gaia Ciência, § 103) Para ele, acima de tudo